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Acórdão n.º 1/2025

Acórdão n.º 1/2025


Proferido nos autos de Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade n.º 1/2017, em que é recorrente Vanda Maria Ferro Nobre de Oliveira e entidade recorrida o Supremo Tribunal de Justiça.


Cópia:

Do acórdão proferido nos autos de Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade n.º 1/2017, em que é recorrente Vanda Maria Ferro Nobre de Oliveira e entidade recorrida o Supremo Tribunal de Justiça.

(Autos de Fiscalização Concreta de Constitucionalidade nº 1/2017, Vanda Maria Ferro Nobre de Oliveira v. STJ, Arguição de Nulidade do Acórdão TC 117/2024, de 23 de dezembro)

I. Relatório

1. A Senhora Vanda Maria Ferro de Oliveira, segundo alude, vem ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 577, número 1, alínea c), do CPC, e do “então do então artigo 755, revogado pelo artigo 597-A, arguir a nulidade do Acórdão 117/2024, de 23 de dezembro, ancorando-se nos fundamentos que abaixo se sumariza:

1.1. Entende que o presente recurso seria tempestivo por ter dado entrada na secretaria do Tribunal Constitucional dentro do prazo processual de 30 dias não úteis, de acordo com as disposições conjugadas do artigo 595, número 1, primeira parte, e do artigo 137, número 2, ambos do CPC, versão de 2010, por força do princípio da aplicação imediata da nova lei processual, na medida em que teria sido notificada do Acórdão 117/2024, no dia 23 de dezembro de 2024.

1.2. Segundo se pode entender pelos argumentos apresentados na parte das conclusões do seu pedido, a seu ver, haveria nulidade do aresto impugnado, por errada interpretação e aplicação de normas do processo, relativamente ao juízo de admissão do recurso, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, “como deflui do respetivo ponto 2.2.”, ao considerar que a recorrente teria abandonado a causa, bem como, por a respetiva fundamentação estar em oposição com a decisão constante da petição do recurso constitucional de rejeição do recurso por erradamente, “não julgar inconstitucional, orgânica ou materialmente a norma do artigo 559, parágrafo primeiro, primeiro segmento do Código Civil, que habilita o Governo a fixar a taxa de juros legais por portaria nem, consequentemente, a norma da portaria 12/97 que a fixou em 8%.

1.3. Entende ainda que seria uma situação “agravante” neste caso concreto, o facto de o Tribunal Constitucional ter dito que a invocação de inconstitucionalidade, por ser tardia, acabou por inviabilizar o seu conhecimento pelo Tribunal.

1.4. Acrescenta que, por outro lado, o Acórdão do TC seria nulo, por erro na interpretação e aplicação do princípio constitucional da tipicidade dos atos legislativos, com relação ao pedido de declaração de inconstitucionalidade superveniente da norma do artigo 559 do Código Civil, face ao princípio da tipicidade, do artigo 258 da CRCV, bem como o pedido da constitucionalidade orgânica (originária) da Portaria N. 12/97 com as consequências da nulidade da deliberação, do BCV, por fixar taxas de juros a 8% ao ano, com os efeitos de invalidade da deliberação (Taxa Diretora) do BCV em 13,5%, ao abrigo do artigo 82/1 daquela Lei do Tribunal Constitucional, competiria levantar um “incidente constitucional perante si, ao mesmo tempo o TC enquanto Garante dos Direitos Fundamentais (Humanos) declarando ou não a inconstitucionalidade do artigo 46 do Decreto-Lei nº 52/E/1990 de 4 de julho, que regula o sistema financeiro, ao valer-se de um decreto-legislativo do Governo, sem precisar o respetivo número e sua publicação no Boletim Oficial, de sorte que ta[l] norma do artigo 559 do CC não se considerasse estar ferido de inconstitucionalidade orgânica, como aludido”.

1.5. Pede por isso a anulação do Acórdão N. 117/2024, com as suas consequências legais.

2. Marcada sessão de julgamento para o dia 23 de janeiro de 2025, nessa data se realizou, com a participação dos Venerandos Juízes-Conselheiros e do Senhor Secretário do TC, dela decorrendo a decisão que se segue acompanhada dos fundamentos articulados infra

II. Fundamentação

1. Como em arestos anteriores, é importante reiterar que o Tribunal já havia assentado entendimento sobre a arguição de nulidades das suas decisões, sobretudo as adotadas em processos de recurso constitucional de fiscalização concreta ou de amparo:

1.1. Recuperando a posição geral desenvolvida no Acórdão 09/2018, de 3 de maio, Rel. JC Pina Delgado, INPS v. Presidente do STJ, Pedido de Aclaração e de Reforma do Acórdão, Rel: JC Pina Delgado, publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 35, de 6 de junho de 2018, pp. 856-869, assentando, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, que, sendo possível que os seus próprios acórdãos padeçam de vícios, nada obsta que conheça tais desafios; ainda que, em se tratando de um recurso especial, o Tribunal pode não os conhecer no mérito caso não venham acompanhados de fundamentação bastante, tenham propósitos meramente protelatórios ou sejam manifestamente inviáveis.

1.2. E foi articulando posições em outras decisões tiradas, já em arestos de admissibilidade em autos de amparo, nomeadamente através do Acórdão 10/2019, de 14 de fevereiro, J.B. Delgado v. Tribunal Judicial da Comarca do Paul, Rel: JCP Pinto Semedo, publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 29, de 14 de março de 2019, pp. 519- 521; do Acórdão 11/2019, de 28 de fevereiro, E.B. Whanon Ferreira v. Tribunal Judicial da Comarca do Paul, Rel: JCP Pinto Semedo, publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 29, de 14 de março de 2019, pp. 521-523; do Acórdão 19/2019, de 11 de abril, Obire v. STJ, Rel: JCP Pinto Semedo, publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 46, de 24 de abril de 2021, pp. 838-839, e em arestos relacionados a processos de fiscalização concreta da constitucionalidade como o Acórdão 36/2021, de 30 de julho, Alex Saab v. STJ, Arguição de Nulidade do Acórdão 30/2021, de 29 de junho, sobre solicitação de cumprimento de pedido de adoção de medidas provisórias dirigido ao Estado de Cabo Verde pelo Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas, por alegadamente o Tribunal Constitucional ter conhecido de questão que não devia conhecer e por o Tribunal ter alegadamente deixado de se pronunciar sobre questão que devia, Rel. JC Pina Delgado, publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 88, de 16 de setembro de 2021, pp. 2306-2309 (número do Acórdão corrigido pela Retificação nº 149/2021, de 17 de setembro, publicada no Boletim Oficial, I Série, N. 89, de 17 de setembro de 2021, pp. 2319-2321); o Acórdão 38/2021, de 30 de julho, Alex Saab v. STJ, Arguição de Nulidade do Acórdão 37/2021, de 9 de agosto, referente a despachos do Juiz-Relator de admissão da intervenção processual do Ministério Público como interveniente contrainteressado no processo principal e de admissão de junção de nota diplomática e mandado remetidos pelo Ministério Público, por ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento, Rel. JC Pina Delgado, publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 88, de 16 de setembro de 2021, pp. 2316-2317; do Acórdão 47/2021, de 13 de outubro, Alex Saab v. STJ, Referente a Arguição de Nulidade do Acórdão 39/2021, de 30 de agosto, por alegadas nulidades na tramitação processual, nulidades do acórdão e violação de princípios jurídicos, Red. JC Pina Delgado; JC Aristides R. Lima; JCP Pinto Semedo; publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 88, de 15 de outubro de 2021, pp. 2619-2636; e do Acórdão 5/2022, de 10 de fevereiro, Alex Saab v. STJ, Red: JCP Pinto Semedo; JC Pina Delgado; JC Aristides R. Lima; publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 88, de 16 de setembro de 2021, pp. 346- 348, que também aplicaram por remissão as mesmas regras do Código de Processo Civil.

1.3. Dessa jurisprudência firme e neste momento consolidada ressalta o entendimento de que esta Corte não é refratária a que nulidades dos seus próprios acórdãos sejam arguidas. Porém, considerando ser um Tribunal Especial, a que a Lei Fundamental atribui diretamente uma função constitucional, pela sua natureza, intervém subsidiariamente quando uma pessoa não tiver obtido a tutela de direitos perante os outros tribunais. Realizando-se tal intervenção no quadro de um processo – o constitucional – sobre o qual esta Corte tem poderes de conformação, e constatando-se que, na maior parte das vezes, as arguições de nulidade têm funcionado como um isco quase irresistível ao improbus litigator para tentar utilizar o instituto para finalidades espúrias que prejudicam o desenrolar normal do processo com objetivos meramente dilatórios, somente se aprecia as alegações que se refiram claramente a causas de nulidade previstas pelo Código de Processo Civil. De acordo com a sua aceção natural e nos termos dos seus requisitos inerentes, interpretados e ajustados conforme a natureza própria do processo constitucional, na medida em que aquele é desenhado, como o Tribunal já tinha entendido, para dar vazão a pretensões meramente subjetivas ao passo que este é composto também por uma dimensão objetiva de defesa da Constituição e do seu regime de proteção de direitos. Por isso, desde sempre, assentou entendimento de que “qualquer recurso ao Código de Processo Civil além de pressupor um vazio regulatório nos diplomas que regulam o processo constitucional, depende de uma necessária adaptação à natureza pública do processo constitucional e aos valores constitucionais que persegue” (Acórdão 6/2017, de 21 de abril, Maria de Lurdes v. STJ, Pedido de Desistência, Rel: JC Pina Delgado, publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 27, de 16 de maio de 2017, pp. 659- 668), 3.1.2).

2. Antes de este Tribunal pronunciar-se sobre o mérito da impugnação dirigida ao Acórdão 117/2024, deve verificar se os pressupostos gerais e os requisitos especiais associados à causa de nulidade invocada cuja redação é formulada, com as devidas adaptações, no sentido de que seria nulo o acórdão “(…) quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, estão preenchidos. Respetivamente, de, por um lado, atestar a presença dos requisitos de competência, legitimidade e tempestividade, e, do outro, verificar se o requisito inerente à causa de nulidade invocada – a apresentação de uma conexão entre a decisão e a omissão de fundamentação – se releva na argumentação do requerente, na medida em que a este cabe o ónus de a estabelecer.

2.1. Em relação à presença dos pressupostos gerais de competência, legitimidade e tempestividade,

2.1.1. Sem mais considerações, pode-se concluir que os dois primeiros estão preenchidos, haja em vista o que dispõe os artigos 575, parágrafo segundo; 577, parágrafo terceiro, e 589, parágrafo primeiro, todos do CPC, legislação aplicável por remissão;

2.1.2. No que diz respeito à tempestividade, tendo em conta que a reclamante foi notificada, através dos seus mandatários, por via eletrónica, do Acórdão 117/204, no dia 23 de dezembro de 2024, às 17h18mn, e o seu requerimento só viria a dar entrada na secretaria do Tribunal Constitucional, no dia 21 de janeiro de 2025, às 11h51mn, enviado por carta registada, através dos correios de Cabo Verde, cuja expedição se deu no dia 15 de janeiro de 2025, pelas 17h00mn, é evidente que o presente incidente pós-decisório foi protocolado fora do prazo estabelecido para o efeito;

2.1.3. O prazo que impede o trânsito em julgado de uma decisão negativa e pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade é o que está estabelecido no número 1 do artigo 145 do CPC e não o que consta do número 1 do artigo 595 do mesmo código, relativo aos prazos fixados pela lei processual civil para a interposição de recursos ordinários, como parece ser a pretensão da reclamante. E, a menos que exista motivo justificante, é dentro desse intervalo de tempo que se tem de atuar para se obstar à cristalização da decisão;

2.1.4. O artigo 143, número 1, alínea b), do Código de Processo Civil dispõe claramente que “os articulados, requerimentos, respostas e as peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito pelas partes no processo podem ser remetidos pelo correio, sob registo, valendo neste caso como data da prática do acto processual a da efectivação do respetivo registo postal”. Assim sendo, tendo a reclamante sido notificada do Acórdão objeto de arguição de nulidade no dia 23 de dezembro, qualquer incidente pós-decisório que pretendesse suscitar teria que ser protocolado até ao dia 3 de janeiro de 2025. Isso, tendo em conta que o Governo concedeu tolerância de ponto durante os dias 24 e 31 de dezembro e os dias 25 de dezembro e 1 de janeiro foram feriados nacionais. Tendo a peça sido registada na delegação dos Correios de Cabo Verde, na cidade do Mindelo, no dia 15 de janeiro de 2025, é evidente que foi largamente ultrapassado o prazo previsto para protocolar qualquer incidente pós decisório, como de resto tem sido o entendimento do Tribunal Constitucional (Acórdão 11/2019, de 28 de fevereiro, E.B. Whanon Ferreira v. Tribunal Judicial da Comarca do Paul, Rel: JCP Pinto Semedo, publicado no Boletim oficial, I Série, N. 29, de 14 de março de 2019, pp. 521-524; Acórdão 5/2023, de 18 de janeiro, Pedro Rogério Delgado v. TRS, Rel: JCP Pinto Semedo, publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 25, de 13 de março de 2023, pp. 689-690; Acórdão 6/2023, de 18 de janeiro, Pedro Rogério Delgado v. TRS, Rel: JCP Pinto Semedo, publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 25, de 13 de março, pp. 690-691; Acórdão 7/2023, de 18 de janeiro, António José Pires Ferreira v. TRB, Rel: JCP Pinto Semedo, publicado no Boletim Oficial, I Série, N 25, de 13 de março de 2023, pp. 691-693; Acórdão 69/2023, de 5 de maio, Rui Santos Correiav. TRS, pedido de aclaração do Acórdão 52/2023, Rel: JCP Pina Delgado, publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 57, de 22 de maio de 2023, pp. 1293-1294, Acórdão 70/2023, de 5 de maio, Valter Furtado v. STJ, Não conhecimento de pedido de aclaração do Acórdão 19/2023 por colocação intempestiva, Rel: JCP Pina Delgado, publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 57, 22 de maio de 2023, pp. 1294-1296).

2.2. Na sua peça a requerente deixa entender que o seu pedido teria sido interposto tempestivamente porque a norma referente ao prazo a ser aplicada seria a que consta do artigo 595, número 1, do CPC, relativa aos prazos estabelecidos pela lei processual civil para a interposição de recursos. Porém, este Tribunal reitera que, no caso concreto, a norma aplicável de forma subsidiária, com base no disposto no artigo 50 da Lei do Tribunal Constitucional, é a que determina como regra geral o prazo que se encontra no número 1 do artigo 145 do CPC e que é de cinco dias. 

2.2.1. Assim sendo, considerando que a reclamante protocolou o seu incidente no dia 15 de janeiro de 2025, mesmo descontado os dias 24, 25, e 31 de dezembro de 2024 e o dia 1 de janeiro de 2025, dias em que o Governo concedeu tolerância de ponto antecedendo os feriados de Natal e de ano novo, respetivamente, fê-lo treze dias úteis depois de ter sido notificada, portanto, muito além de qualquer prazo legal aplicável.

2.2.2. Mesmo que porventura, fosse de se recorrer ao prazo de dez dias previsto para a interposição de recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, nos termos do artigo 81, parágrafo primeiro, da Lei do Tribunal Constitucional – e nem é! –, ainda assim a colocação do seu recurso teria ocorrido fora do prazo.

2.2.3. Não sendo aceitável suscitar-se a questão treze dias depois, como fez a reclamante, com fulcro na espúria ideia de ser aplicável prazo de recurso de recurso ordinário fixado em trinta dias.

2.2.4. Além disso, o Tribunal já tinha decidido através do Acórdão 42/2024, de 28 de maio, Incidente Anómalo 1/2024, Anderson Marquel Duarte Soares, Indeferimento liminar por manifesta ausência de base legal e por intempestividade de suscitação de incidente pós-decisório, Rel: JCP Pina Delgado, publicado no Boletim Oficial, I Série, N. 56, 17 de junho de 2024, pp. 1316-1318, “[d]eterminar que a secretaria devolva a peça, instruindo-a a atuar da mesma forma em relação a qualquer requerimento pós-decisório que, à margem de apresentação de razão justificativa especial que seja legalmente admissível, seja protocolado de forma notoriamente intempestiva”.

2.3. Nestes termos, perante um caso em que se requer uma nulidade que pura e simplesmente não existe e cujos fundamentos apresentados são de difícil compreensão, conclui-se que o pedido do requerente não pode ser atendido por ser manifestamente intempestivo.

III. Decisão

a)Pelo exposto, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, reunidos em plenário, decidem indeferir o pedido de declaração de nulidade do Acórdão TC 117/2024, de 23 de dezembro;

b) Determinar que a secretaria devolva a peça à reclamante, conforme ficara estabelecido para casos semelhantes no Acórdão 42/2024, e remeta à procedência qualquer incidente subsequente que se suscite em relação à decisão referida no parágrafo anterior;

c) Instruir a secretaria a informar todos os intervenientes processuais e entidades envolvidas do trânsito em julgado do aresto constitucional e da decisão impugnada no âmbito do processo pretexto, nada obstando que esta seja executada.

Custas pela reclamante que se fixa no máximo permitido por lei.  

Registe, notifique e publique.

Praia, 31 de janeiro de 2025

José Pina Delgado (Relator)

Aristides R. Lima

João Pinto Semedo

Está conforme

Secretaria Judicial do Tribunal Constitucional, aos 31 de janeiro de 2025. — O Secretário, João Borges.

 
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